O motorista Antônio Anaquim, de 41 anos, que atropelou 18 pessoas entre o calçadão e a Praia de Copacabana, matando uma bebê de 8 meses, pediu perdão às famílias de todas as vítimas.
Em depoimento enviado por ele ao Fantástico, reiterou o que disse à polícia sobre o momento em antecedeu o acidente, alegando ter sofrido uma "ausência" e afirmou que não teve a intenção de matar alguém.
"Eu tive uma ausência. Você fica completamente congelado, se contorce pro lado e nisso perde também a consciência das coisas, de tudo", contou.
À polícia, Anaquim disse ser epilético. Ele, no entanto, omitiu do Detran que é portador da doença ao renovar a sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
"Pra elaborarmos um raciocínio, temos uma série de reações químicas no nosso cérebro que proporcionam transmissões elétricas, transmissões nervosas entre esses neurônios e de uma maneira organizada produzimos o raciocínio. A epilepsia é uma doença neurológica onde essa transmissão elétrica acontece de maneira desorganizada", diz o médico Aly Said Yassine, especialista em medicina do tráfego.
"Ou seja, são milhares de impulsos elétricos acontecendo por centenas de milésimos de segundo que acabam trazendo ao paciente um colapso neurológico. E esse colapso acaba trazendo nas pessoas os apagões", continua.
No vídeo que enviou ao Fantástico, Anaquim demonstra ter consciência da tragédia que provocou. Ele enfativou não ter tido a intenção de matar alguém.
"Quero dizer que não sou nenhum assassino. Não tive intenção nenhuma de matar ninguém. Peço perdão a todas as pessoas que estão sofrendo com essa tragédia que eu causei", disse.
"Peço perdão à mãe de Maria Louise, que infelizmente perdeu sua filha", disse o atropelador.
Maria tinha apenas 8 meses de vida e morreu pouco tempo depois de ser socorrida. Ela e a mãe estavam passeando no calçadão na noite de quinta-feira (18). O corpo da bebê foi enterrado no sábado (20).
"De repente, quando eu olhei pra frente, eu só vi farol e nem a pancada eu senti. Quando eu vi eu já estava no chão e um bando de gente em volta, e eu procurando a minha neném", lembrou Niedja Araújo, mãe de Maria Louise.
CNH suspensa
Inconformado com a perda da filha Maria Louise, o pai questionou o fato de Anaquim dirigir impunemente mesmo com a habilitação suspensa. "Ele estava proibido de dirigir, carteira vencida, não podia mais dirigir pelo Detran, e tava na rua aí normalmente", reclamou Darlan Rocha, o pai da bebê que, na ocasião, não sabia que Anaquim mentiu ao renovar o documento.
Em 2014, Antônio Anaquim deveria ter perdido a habilitação devido ao número de multas - ele acumulava 62 pontos na CNH - mas mesmo assim conseguiu renovar a carteira em 2015.
No documento que ele precisou preencher no Detran-RJ para a renovação, inicialmente respondeu "sim" à pergunta sobre uso de medicamentos controlados. Em seguida, porém, rasurou o documento e mudou a resposta para "não". Os nomes dos remédios também foram rasurados. Ele ainda afirmou, no mesmo questionário, não sofrer de nenhuma doença neurológica, inclusive epilesia.
"As respostas desse questionário não significam que ele terá a proibição em dirigir. O significado e sentido desse questionário é que ele traz ao médico do tráfego uma orientação de como é possível que esse candidato dirija com segurança", ressaltou o médico Aly Said Yassine.
No depoimento enviado ao Fantástico, Anaquim não fala sobre os problemas com sua habilitação e não explica as rasuras no formulário do Detran.
O escrito Eduardo teve a primeira crise epilética aos 3 anos de idade. Chegou a tirar a carteira de habilitação, dirigiu por algum tempo, mas decidiu não renovar o documento por questões de segurança a si próprio e às demais pessoas.
"Comecei a perceber que eu corria um risco se eu tivesse uma crise e, além disso, criava um risco pra outras pessoas também. Essas pessoas têm totais condições de dirigir, mas quando faz a prova de admissão, ela tem que falar que tem epilepsia. A própria pessoa tem que ter consciência da atitude dela e assumir a responsabilidade pela sua atitude", apontou Eduardo.
Duplo inquérito policial
"Diante desse mar de irregularidades eu determinei a instalação de um procedimento paralelo que visa apurar, dentre outras coisas, a falsidade ideologica, que seriam informaçoes inexatas sobre a sua enfermidade quando da renovaçao da sua carteira e todos esses problemas que nos recebemos essas informações", adiantou o delegado Gabriel Ferrando, responsável pelas investigações sobre o acidente.
O delegado adiantou, também, que a investigação aponta que Anaquim, de fato, sofreu um mal súbito e que, por isso, não teria conseguido frear o carro.
"Conversamos já com um perito, embora isso não esteja ainda inserido num laudo técnico, há indícios de que não houve a marca de frenagem no local", destacou o delegado Gabriel Ferrando.
"Com a perda da consciência, os desmaios, a pessoa se projeta pra frente. Se projetando pra frente, naturalmente o peso das suas pernas também são projetadas pra frente. Em qualquer um desses casos, pode ter, infelizmente, o condutor um aumento da pressão sobre o acelerador e uma impossibilidade voluntária de frear esse veículo", esclareceu o médico especialista em medicina do tráfego, Aly Said Yassine.
Tragédia semelhante em Brasília
Um mal súbito ao volante também teria sido a causa de uma tragédia semelhante ocorrida em Brasília no mesmo dia em que Antônio Anaquim atropelou 18 pessoas em Copacabana. Eram por volta das 18h30 - uma hora e meia antes do horário em que ocorreu o acidente no Rio, quando uma motorista atropelou um casal de idosos que caminhava na calçada pelo Lago Norte.
Imagens de câmeras de vigilância mostram quando o carro em alta velocidade atinge o casal pelas costas. Dulcineia, de 70 anos, e Edvaldo, de 75, tinham acabado de completar 50 anos de casamento e comemoraram o marco com uma viagem em família em dezembro. Ambos morreram na hora em que foram atropelados.
A motorista Luciana Pupe Vieira, de 46 anos, está em estado grave no hospital. Quando foi socorrida, ela estava usando dois aparelhos de medição de açúcar no sangue, porque tem diabetes.
A hipótese mais provável agora é que Luciana tenha perdido o controle do carro por conta de uma hipoglicemia.
"A glisoce é o principal combustível que temos no nosso organismo e o cérebro é um grande consumidor dessa energia pra poder elaborar suas transmissões nervosas. Em casos de hipoglicemia severa, essa glicose está tão baixa no sangue que o cérebro praticamente desliga, porque não recebe esse combustível, a glicose", explicou o médico Aly Said Yassine. Ele enfatizou, ainda, "que não existem avisos ou sinais ou sintomas de que essa pessoa irá apagar".
As familias da motorista e do casal envolvidos no acidente em Brasília são amigas, frequentam a mesma academia e a mesma igreja. "O que torna tudo mais difícil. Surreal, acho que a palavra é essa", disse Thiago, que era professor de academia do casal morto.